Bhagavad Gita: a grande batalha dentro do coração de Arjuna

Arjuna e Krishna
A Bhagavad Gita é uma obra de incomensurável valor, amplamente admirada por sua vasta e profunda complexidade. Os grandes temas estão aí retratados e as angústias e sofrimentos humanos se mostram por inteiro. Mas há também um outro fator extraordinariamente essencial: a saída para essas angústias e dores também é aí mostrada, pois a Gita é certeira ao declarar que para o inevitável sofrimento há uma solução.
A melodia do coração
Krishna é o Grande Senhor do Yoga que tem em Arjuna seu dileto discípulo. Ao tocar sua flauta melodiosa, Krishna produz uma música que arrebata os corações de todos que a ouvem. Sua melodia é a melodia do coração. E é essa também a melodia da imensa Bhagavad Gita – a Canção do Divino Mestre, onde Krishna instrui pela linguagem do coração.
Muitas interpretações foram dadas à Gita, mas, dentre elas, a que sempre falou mais alto à minha sensibilidade foi esta que simboliza a grande batalha dentro do coração de Arjuna. Muito mais do que o gigantesco e sangrento confronto físico, a Gita nos remete às profundezas dos mistérios que habitam o coração de cada indivíduo. Sua linguagem é, pois, a linguagem do coração. Linguagem essa que transcende critérios de raça, credo, tempo e lugar, pois, em essência, a Gita é atemporal, é como uma lacuna, uma brecha preciosa de imortalidade que se abre dentro do gigantesco Mahabharata – o grande épico da Índia, escrito por Vyasa.
Intelecto e sabedoria
Krishna fala a Arjuna com palavras de divina sabedoria, e este, por sua vez, não as consegue compreender apenas com o uso da razão. Isso porque a razão é limitada e pertence à mente ainda não-iluminada. Como, então, compreender as sábias e perfeitas palavras de Krishna? Com certeza, não apenas com o uso do intelecto.
É por esse motivo que todas as dúvidas tomam conta de Arjuna. Sua mente pede auxílio, mas não consegue assimilá-lo. Ele está indeciso, inseguro, prostrado, por não conseguir compreender a grandiosidade do momento, por não conseguir agir, por não conseguir pôr em prática os preciosos ensinamentos de Krishna.
O Yoga do Eu
Em meio ao caos que habitava sua mente, Arjuna ainda não reconhecera o divino cocheiro que ali estava, ao seu lado. Arjuna ainda não percebera que o verdadeiro Eu Superior estava aguardando para ser reconhecido. Quando ele finalmente, amparado pela contínua insistência de Krishna, resolve agir e combater no grande campo de batalha que se instalara dentro do seu coração, ele chega ao verdadeiro e imutável entendimento do Eu. A isso Krishna sabiamente chamou de “Yoga do Eu”.
O processo de unificação do Yoga
De fato, a unificação proposta pelos sistemas de Yoga está aí resumida pelo próprio Senhor Krishna – o cessar de todas as dualidades da existência como forma de transcender o sofrimento. Tais palavras não encontram ressonância a não ser no coração, pois quem quer que racionalize sobre as mesmas, não obterá, por assim dizer, o sucesso almejado. A esse respeito, expressou-se Mahatma Gandhi num ensaio que escreveu sobre sua amada Gita:
“A Gita canta os louvores do conhecimento, mas está além do simples intelecto, pois é essencialmente endereçado ao coração e só é capaz de ser entendido pelo coração.”
A linguagem não-racional da Gita
Esse acesso direto ao coração também tem sua razão de ser no fato de a Gita apresentar algumas das mais importantes verdades da existência humana numa linguagem não-linear, isto é, não-racional.
A linguagem do cérebro é linear e, por esse motivo, previsível. A linguagem da Gita é circular, de certo modo repetitiva e persistente, como que apontando ininterruptamente para um lugar que guarda a essência da sabedoria. Esse lugar sugerido, e para o qual somos impelidos pela divina insistência de Krishna, é o coração. Mas tudo isso se realiza com o mérito do uso da palavra descritiva, clara, límpida, transparente, emocionante e que, em resumo, traduz a verdadeira linguagem do coração.
A força e o ritmo do coração
Mahatma Gandhi foi um grande exemplo do quanto é fundamental fazer uso da força do coração em meio às atividades cotidianas. Ele dizia que a renúncia e o desapego não são alcançados intelectualmente e nem pelo fato de se falar a respeito deles. Segundo ele, o coração deve constantemente pulsar nesse sentido. E é isso que Krishna quer tanto que Arjuna perceba – que as coisas já estão todas aqui, eternamente pulsando, obedecendo uma ordem e um ritmo únicos, apenas aguardando para serem redescobertas.
Esse ritmo é ditado pelo coração universal em direção ao coração individual. Esse ritmo nos mantém a todos unidos numa cadência que o Grande Maestro Krishna orquestra de forma precisa e infalível. Talvez por isso Ele tenha se expressado através de uma canção divina – exatamente para estabelecer contato direto com cada um dos minicorações que formam a sublime sinfonia universal da criação. Afinal de contas, foi ele que inigualavelmente disse: “Resido no coração de todos, e de Mim procedem a memória, a sabedoria e a ausência de ambas.”
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