O aperfeiçoamento do asana

Aluna Fabíola em sua aula de Yoga em casa. Foto por Cristiano Bezerra em dezembro de 2017.
É muito comum ouvir-se falar nas escolas de Yoga: “Fulano(a) faz asanas tão bem!”…
Claro que a pessoa que assim se expressa fala do “desenho” do asana, isto é, que o asana, em seu momento de estabilidade, mostra-se exatamente igual ao que vemos em fotos ou desenhos nos livros de Yoga.
É muito desejável chegar-se a este ponto de “perfeição”, pois significa que o praticante está com o seu potencial ósseo-muscular em perfeitas condições e que nenhum problema fisiológico o impede de praticar o asana em questão.
Colocamos, porém, essa perfeição entre aspas propositadamente já que, por mais benéfica que seja uma postura, ela só estará completa se a atitude mental estiver presente em sua prática. Isso nos leva a considerações bem mais amplas para a aquisição da chamada perfeição.
Explica porque um indivíduo pratica Yoga com o suporte psicofísico dos asanas por toda a vida, sem nunca tornar essa prática um processo mecânico como outros processos que fazem parte do cotidiano do homem como, por exemplo, a marcha.
A marcha é um processo de início e fim voluntários, mas que, no espaço intermediário entre começar e parar, é automático, aprendido.
Alguns acontecimentos a níveis sutis explicam porque as práticas voluntárias psicofísicas são tão essenciais durante toda a vida.
Atualmente é de domínio público o conhecimento sobre a renovação celular em nosso corpo. As células dos vários órgãos, dos vários sistemas fisiológicos, gastam-se e renovam-se em ciclos intermináveis, de duração variável, significando que, de alguma forma, temos um corpo novo periodicamente ou pelo menos algum sistema em parte renovado.
Apesar da “memória” celular ser um fato, por várias razões físicas, emocionais e mentais, nunca somos exatamente a mesma pessoa que fez a última prática. O momento é outro. Nós podemos estar melhores ou piores, mas nunca iguais. Por isso o corpo-emoções-mente recebe o asana sempre de forma nova: um novo conhecimento, uma nova aproximação, percepção e vivência.
A busca do “aperfeiçoamento”, no sentido que foi visto no início, fica ainda mais difícil de se alcançar.
Mas será que o asana não pode aperfeiçoar-se? Pode sim, não só para fora, para a forma, mas para dentro, para a essência!
Isso acontecerá quando a prática do asana não mais forçar a respiração com o movimento, mas quando toda e qualquer preparação, estabilidade e retorno acontecer dirigida pela respiração.
A respiração é o elo que interliga todas as dimensões humanas, é o fio que liga o ser total com o seu mundo interno e externo, um importante processo fisiológico que, sendo involuntário, pode a qualquer momento tornar-se voluntário.
Quando iniciamos a prática do Yoga, somos orientados a mover ou a estabilizar os asanas no tempo respiratório individual. A ânsia de “aperfeiçoar-se” nos asanas leva os praticantes a forçar a respiração para que o tempo de estabilidade aumente. Isso é um retrocesso na prática.
Felizmente é apenas uma fase ou comportamento infantilizado na escalada do crescimento; a grande perda é pararmos aí, tornando-a uma prática definitiva, assimilada.
Quando o asana já foi assimilado por uma total concentração na sua execução, podemos deixar que o corpo mude de posição no influxo da respiração não voluntária.
Nossa atitude mental deve ser de mero expectador do processo respiratório, deixando o corpo mover-se coordenadamente com o processo fisiológico da respiração.
Literalmente esperamos as ordens do sistema nervoso responsável pelas funções respiratórias e, enquanto voluntariamente atentos ao processo, esperamos que o asana cumpra-se sem violência.
Resumindo: os iniciantes na prática fazem respiração voluntária durante o asana, ensinando ao corpo que deve respeitar a fisiologia respiratória nas flexões/extensões/torções; depois, a respiração torna-se novamente involuntária para ganhar a riqueza do processo natural.
Quando todo e qualquer movimento ou pausa acontece levado pela respiração, o asana ganha qualidade não em desenho gráfico, mas em leveza, profundidade, introspecção e harmonia.
O corpo se organiza em cada postura de forma tão coordenada, tranquila e ajustada que a sequência transmite a quem pratica e a quem observa um total equilíbrio, uma profunda paz.
- Artigo extraído do Informativo impresso da ACEPY – Associação Cearense de Estudos e Pesquisas do Yoga, de Fortaleza, CE, e digitado por Cristiano Bezerra (1971-) para este blog, Yoga Pleno, em 27 de junho de 2001. [↩]
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